SEM-TERRA - Ocupação na região do Córrego do Soldado é debatida na Câmara

Bióloga fala sobre Estudo de Impacto Ambiental centrado em números irreais e acaba por apontar problemas com a ocupação. Fazenda é particular e não compete ao poder público interferir no acordo. No local já existem muitas chácaras que utilizam fossas sépticas e ninguém reclamou de questão ambiental até hoje. Será que o problema é ser famílias do MST?

SEM-TERRA - Ocupação na região do Córrego  do Soldado é debatida na Câmara
Foto: Reprodução

Na reunião da Câmara da terça-feira, dia 10, a bióloga Carla Guimarães Marques ocupou o espalho Participação Popular, para falar sobre um Estudo de Impacto Ambiental – EIA, realizado por ela em razão da ocupação de uma fazenda na região do Córrego do Soldado por membros do movimento dos trabalhadores sem-terra. Conforme divulgado pela FOLHA, o tema vem gerando alguma polêmica no meio político, após um acordo realizado pelo Judiciário envolvendo empresários e ocupantes de uma fazenda em Itatiaiuçu, no distrito de Santa Teresinha. A citada fazenda, a Monte Alvão foi ocupada por cerca de 60 famílias de sem-terra em 2017 e, agora, em acordo na Justiça, esse público estaria sendo realocado.

Conforme o acordo, as famílias aceitaram a troca da área ocupada por um terreno oferecido pelos empresários, proprietários da Monte Alvão, localizado na região do da comunidade dos Chaves, divisa com a comunidade do Córrego do Soldado. Ainda conforme as alegações, esta área teria 80% de sua dimensão no município de Itatiaiuçu e outros 20% em território itaunense. Conforme a fala da bióloga, “a ocupação do terreno pelos integrantes do MST causará impactos negativos no meio ambiente da região”. Por esse motivo, solicita à Câmara que tome as “devidas providências legais”.

O vereador Gustavo Dornas, um dos principais envolvidos no debate, disse que visitou o terreno onde serão instaladas “as pessoas do MST, e verificou que o local não conta com nenhuma infraestrutura, e por isso há grandes riscos de contaminação de riachos e consequente contaminação do Rio São João e da Barragem do Benfica”. Já o edil Kaio Guimarães afirmou que, para tentar inviabilizar a vinda dos integrantes do MST para Itaúna, “apresentará denúncias ao Ministério Público, e pediu que a Câmara Municipal, de forma institucional, em conjunto com a Prefeitura e a Câmara de Itatiaiuçu, provoquem oficialmente os órgãos estaduais do Ministério Público e do Poder Judiciário”, conforme divulgado pela assessoria da Câmara. 

Antônio de Miranda, presidente da Mesa, que retomou o posto após afastamento por motivo de doença, afirmou que tem em mãos uma cópia de um “inquérito civil” apresentado pelo prefeito Gustavo Mitre junto ao Ministério Público, com questionamentos sobre “os alarmantes impactos que recairão sobre o meio ambiente da região”. Afirmou ainda que “a Câmara fará tudo o que for possível para impedir esses problemas, o que inclui eventual formação de uma comissão especial para acompanhar o caso”.

O EIA realizado pela bióloga

A reportagem da FOLHA teve o a uma cópia do EIA feito pela citada bióloga, em análise à situação do terreno a ser ocupado. Algumas informações não condizem com levantamento anterior sobre a situação. A principal delas é com relação ao número de pessoas que estão hoje no acampamento e que serão transferidas para a nova área. Conforme o EIA apresentado, seriam 600 famílias. Foi feita a multiplicação pelo número médio de componentes da família no Brasil, calculado em 4 pessoas por unidade, o que levaria o total para 2.400 pessoas.

Conforme o IBGE, o Censo realizado em 2022 aponta que cada família conta com média de 2,79 pessoas, redução observada à média alcançada em 2010, que era de 3,31 pessoas por família. Assim, no limite máximo da contabilização, seriam 1.800 pessoas, e não 2.400. Porém, conforme relatos à época da invasão da Monte Alvão, “cerca de 150 famílias vão permanecer acampadas no local”, segundo a imprensa, no dia da invasão, em 8 de março de 2017. 

Em estudo mais recente, de 2019, o site https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/ aponta que “há aproximadamente 600 pessoas na ocupação”. Informações levantadas pelo jornal e confirmada, são de que pouco mais de 250 pessoas estavam no local e seriam transferidas para a nova propriedade, cerca de 60 famílias. Assim, o primeiro item a ser observado é o número exato de pessoas, para que seja feito um estudo dentro da realidade, conforme apontam especialistas da área. “Até porque 2.400 pessoas representam quase 20% da população de Itatiaiuçu, e essa não é a realidade do acampamento”, apontou um cidadão que milita no meio político daquela cidade e acompanhou a invasão, ocupação e permanência dos membros do MST na Monte Alvão nesses nove anos.

Informações sendo buscadas

Vereadores de Itaúna, como o edil Rosse Andrade e Lacimar Cesário, participaram de reunião com o prefeito da vizinha cidade, na quinta-feira, dia 12, para se inteirarem da real situação. Segundo as primeiras informações, são, “no máximo, 240 pessoas”, como apurou a reportagem. Também foi apurado junto a pessoas ligadas à área que “o acampamento não é de ‘sem casas’, mas de ‘sem-terra’, portanto, não deve se falar em “densidade populacional” nessas proporções. Os sem-terra não se aglomeram em vilas, mas se estabelecem em áreas onde podem plantar e produzir alimentos.

Em um dos documentos analisando as atividades da ocupação em Itatiaiuçu, que recebeu o nome de Acampamento Maria da Conceição, pode-se extrair a seguinte informação: “Na área onde hoje é o acampamento, tem sido realizado um importante trabalho de recuperação da terra, antes abandonada, improdutiva e desmatada. No local, agora são produzidos hortaliças, frutas, verduras e legumes. As hortas particulares ou comunitárias são livres de agrotóxicos, fertilizantes químicos mistos e sementes transgênicas. Utilizam o princípio da sustentabilidade, a agroecologia e o cultivo de alimentos saudáveis, totalmente orgânicos, desde o preparo da terra, a semeadura, com grãos crioulos, até a colheita manual. O acampamento abastece Belo Horizonte com alimentos orgânicos e sustenta as famílias ali residentes e organizadas em núcleos”.

“O tema está muito politizado, é preciso analisar com a cabeça fria, sem partidarismos, sem ‘nós’ e ‘eles’. Saber o que é real, quantas pessoas são, qual o real impacto vai ser causado, para não ‘pagar mico’, como parece que pode ocorrer neste caso. Se forem 150, 200 pessoas, e não as 2.400 que falaram, como será que ficam as pessoas que estão sendo envolvidas, levadas a se manifestar, sem uma informação real? E como ficam as instituições? A Câmara, o Município? O MPE, a Justiça? E mais: será que, se não fosse sem-terra, estariam criando esse escarcéu todo?”, questionou à reportagem um cidadão que estava na Câmara na reunião da terça-feira e acompanhou a polêmica totalmente fabricada por alguns vereadores insensatos.